Quando converso sobre a importância do financiamento à ciência e seus desafios, muitas pessoas levantam a possibilidade de um apoio privado, por parte de empresas e milionários.
É verdade que muitas das principais universidades norte-americanas contam com um grande aporte de investimentos por filantropos. No entanto, vale lembrar que essas verbas vão em geral para a instituição, e não para indivíduos. Ali dentro, continua valendo alguma forma de avaliação de mérito.
Por outro lado, como exemplo dos problemas que podemos encontrar, cito o caso recente do astrônomo de Harvard que organizou uma expedição a Papua-Nova Guiné, na Oceania, para recuperar um objeto que caiu no mar próximo à costa do país em 2014.
Segundo o cientista, o objeto teria vindo de fora do nosso Sistema Solar, e análises preliminares indicariam que sua composição físico-química seria mais resistente que meteoros comuns. Combinadas, as evidências levariam à conclusão de uma possível origem artificial e extraterrestre para o objeto.
Vejam bem, há muitas hipóteses bastante improváveis aí.
A maior parte da comunidade não concorda com a argumentação, o que torna o financiamento do projeto por agências governamentais essencialmente impossível, já que há propostas mais interessantes e muito mais confiáveis competindo pelo mesmo pote de dinheiro.
No entanto, o cientista é popular. Com suas várias teorias especulativas sobre a origem alienígena de vários objetos astronômicas, ele consegue espaço na imprensa.
Dessa forma, ele conseguiu o apoio de US$ 1,5 milhão (além do empréstimo de um jato particular) de um milionário de criptomoedas para financiar a expedição.
Agora, o pesquisador está nos mares da Oceania buscando os supostos remanescentes do objeto extraterrestre.
Minha aposta? Isso não vai dar em nada.
Mas não importa, já que o cientista já conseguiu seu apoio financeiro. E o milionário também conseguiu a visibilidade que buscava, embarcando no marketing oferecido pelas dezenas de histórias publicadas em jornais de todo o mundo sobre a história.
Quem perde aqui é a ciência. É por isso que valorizamos tanto a revisão por pares, já que o processo de avaliação de projetos por outros cientistas busca o investimento em pesquisas mais promissoras e de maior impacto.
Faço aqui a ressalva de que a revisão por pares também têm seus problemas, e muitos. Cientistas são humanos, e todos os vieses de gênero, raça etc. acabam privilegiando grupos que já tinham seus privilégios antes. São desafios que temos que enfrentar, claro.
No entanto, quando um cientista recebe tanto dinheiro devido à sua visibilidade e não à qualidade de sua pesquisa, não há qualquer pretensão de apoiar a ciência mais promissora. É um concurso de popularidade, puro e simples.
Nesse concurso, ganha o mais polêmico, o mais chamativo, o mais controverso. Sabemos que, em tempos de redes sociais, a treta é a melhor forma de aumentar o alcance.
Isso poderia acontecer no Brasil? Vejo algumas iniciativas de vaquinhas e apoios semelhantes nas redes sociais, e é difícil criticar muito quando passamos por um período de apoio financeiro diminuto (ou nulo) à ciência, e quando os pedintes são em grande parte estudantes, que têm menos acesso ao financiamento oficial do governo.
Mas tenho medo do que isso pode significar a longo prazo. Devemos ter cuidado para não criar mais caçadores de extraterrestres e garantir que a ciência continue seguindo o caminho das evidências, e não o caminho dos likes.