Grupos de bandidos vendem contas falsas de Uber e 99 para condutores expulsos das plataformas de transporte voltarem a trabalhar. Alguns deles admitem que os perfis foram criados com dados roubados de outros motoristas. Para facilitar, possuem diversas faixas de preço para venda, permitem aluguel semanal e até oferecem um período de degustação.
A reportagem de Tilt detectou o esquema após vasculhar grupos no Facebook por uma semana e falar com quatro vendedores diferentes pelo WhatsApp, todos usuários da modalidade Business do app, que é voltada a empresas.
A iniciativa não é nem um pouco discreta. Basta pesquisar por “contas fake/falsa Uber” na rede social que surgem ao menos três grupos, que vão de 47 a 3 mil membros.
Ao não usar linguagem codificada, o esquema se difere de outros, como o aluguel de contas laranjas, que usa o código “lara”, e da venda de cartões clonados, que recorre aos códigos “CC” ou “CCS”.
Nas postagens, os criminosos vendem o serviço por valores que variam conforme a plataforma. As “fake” para a Uber custam, numa compra unitária, entre R$ 400 e R$ 700, e as de 99 custam a partir de R$ 1 mil. Para alugar, ficam em R$140 por semana.
Em alguns casos, as publicidades nas redes sociais são lotadas de comentários de usuários alertando para o risco de golpe. Alguns poucos atestam a qualidade do serviço. Para driblar as acusações de golpe, os comerciantes mais comprometidos deixam que a conta falsa seja testada por um dia inteiro livre de custo, um tipo de test drive.
Numa conversa via WhatsApp, o vendedor que se identificou como Medellin Interior disse à reportagem que oferece atendimento 24h a seus clientes, que pagam R$ 700 em parcela única. O esquema só funciona para Uber, pois, segundo afirmou, oferecer contas falsas para a 99 estava ficando tão mais caro que “não compensava vender mais”.
Para criar a conta, diz ele, precisa de foto e do primeiro nome da pessoa. O sobrenome e os outros dados identificadores são tirados de CNHs e de identidades roubadas.
Depois que pagar, eu faço a conta normal bonitinha. Subindo a conta pra Uber e eles aprovando tudo, eu mando a conta. Vai usar, poder testar. Fazer duas viagenzinhas. Daí tem que fazer o pagamento. Fazendo o pagamento, eu ponho outro e-mail e o número próprio dele pra conta ser dele. Medellin Interior
A conta, diz ele, pode durar anos, se não houver reclamações por parte dos clientes da Uber. O vendedor afirma que, em cinco anos de atuação, nunca teve problemas com a polícia. “É difícil, né? É complicado a polícia parar e saber que é conta fake. Até agora não aconteceu nada”, afirma.
Outros vendedores cobram para realizar cada etapa de seus serviços. É o caso de um que se apresenta como Malvadão. Para conta de Uber, funciona assim:
- Ter a foto própria levemente alterada (chamam de mesclada) mais mudar o nome para um aleatório: R$ 700;
- Alterar o primeiro nome e a foto: R$ 900;
Para conta da 99, o valor é mais salgado:
- Ajustar uma conta irregular: R$ 1,8 mil
Com o Pix feito, o perfil é entregue entre 3 a 5 dias, garante ele.
Nenhum dos vendedores sabe explicar por que os trabalhos junto à 99 são mais caros. Só dizem que o serviço de quem realiza essa falsificação é mais custoso.
“Tio Patinhas” e “A.L contas Uber”, os outros dois perfis no WhatsApp com quem Tilt conversou, operam de forma similar às de Medellin e Malvadão.
O uso de dados alheios pode gerar problemas para os reais donos das informações. Alguns interessados em trabalhar na Uber descobrem no pior momento que tiveram seus dados utilizados.
Há dois anos estou tentando fazer a conta no aplicativo Uber para trabalhar como motorista, [porém] sempre minhas contas dão bloqueado. Já é quarta [vez] que tenho que fazer. Fui ao escritório para saber o que estava ocorrendo [e há] aproximadamente 3 anos e pouco alguém fez uma conta utilizando o meu CPF. [Eu] nunca havia trabalhado na Uber. homem vítima de golpe no Reclame Aqui
Esquemas como este já viraram alvo de operação da Delegacia de Atendimento Policial do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Dairj) em 2019, resultando na localização de pelo menos dez perfis falsos, o que configurava o crime de falsidade ideológica. Tilt acionou a Polícia Civil do Rio de Janeiro, mas não obteve resposta.
Uber e 99 também foram procuradas, mas não se manifestaram até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado assim que as empresas se manifestarem.
Após receber informações repassadas por Tilt, a Meta, dona de Facebook e WhatsApp, apagou os grupos onde o comércio de contas falsas ocorria.
Não permitimos atividades fraudulentas ou quaisquer atividades que violem nossos Padrões da Comunidade ou de Publicidade. Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para identificar conteúdos violadores e removemos tais conteúdos quando tomamos conhecimento deles em nossa plataforma. Meta
O Whatsapp orienta que os usuários denunciem perfis participantes de práticas ilegais, em especial os que utilizam a modalidade profissional do app.