‘Mais poderoso’ que James Web? Isso não importa para ciência

Na semana passada, li um artigo em um site de notícias sobre como estão planejando um observatório “mais poderoso” que o telescópio espacial James Webb. Sei que o impacto do James Webb é inegável, mas continuar insistindo no foco em instrumentos científicos como unicamente mais poderosos, como se houvesse uma competição implícita entre eles, é um erro.

Dois resultados divulgados recentemente exemplificam bem o que quero dizer. Na última segunda-feira, uma imagem do próprio James Webb mostrou uma versão original do objeto Herbig-Haro 46/47.

Ao observar no infravermelho, o telescópio é capaz de receber a radiação que vem de dentro do objeto, criado pela emissão de um jato de gás ionizado por estrelas recém-nascidas.

Imagens obtidas com luz visível, como aquela observada pelo telescópio espacial Hubble, acabam sendo obscurecidas pela poeira ali presente. Um instrumento “mais poderoso” que estudasse a luz visível simplesmente não seria capaz de ver nenhum detalhe deste corpo celeste.

Em outra pesquisa, Philipp Weber (da Universidade de Santiago, no Chile) e seus colaboradores foram mais além, combinando dados do infravermelho, de observações com o instrumento SPHERE no Telescópio Muito Grande, e de microondas, com o rádio-observatório ALMA, ambos no Chile. A equipe investigava a estrutura do material ao redor da jovem estrela V960 Mon, a cerca de 5.000 anos-luz de distância.


A jovem estrela V960 Mon - ESO/ ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/ Weber et al. - ESO/ ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/ Weber et al.

A jovem estrela V960 Mon (no centro da imagem), localizada a cerca de 5.000 anos-luz de distância, na constelação de Monoceros

Imagem: ESO/ ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/ Weber et al.

Além de mostrar a complexa estrutura da poeira e gás que faria parte da nuvem original que deu origem à estrela (emitindo infravermelho, representado aqui em amarelo), a imagem também mostra nódulos mais densos de gás frio, possivelmente capazes de formar planetas que orbitarão a estrela (emissão de microondas, representada em azul).

Notem como a complementaridade é fundamental para se obter uma compreensão dos processos físicos atuando no objeto. Não é um telescópio ou observatório que será capaz de resolver o problema sozinho, mas sim o conjunto de dados produzidos.

Todos os melhores cientistas que conheço atuam da mesma forma. Não é uma questão de trabalhar em apenas um comprimento de onda ou tipo de radiação, mas sim utilizam todos os instrumentos ao seu dispor para investigar o problema de forma completa.

Foi assim, por exemplo, com o prêmio Nobel de 2019. Andrea Ghez e Reinhard Genzel construíram suas carreiras observando o centro da nossa galáxia, a Via Láctea, com os melhores telescópios existentes em cada ano. O acúmulo de evidências obtidas com luz visível, radiação infravermelha e ondas de rádio foi o que lhes permitiu concluir sobre a existência de um buraco negro supermassivo ali.

Uso aqui os exemplos que conheço melhor na área de Astronomia, mas tenho certeza de que o mesmo acontece em outros campos.

Vamos abandonar de uma vez por todas a noção de que instrumentos científicos são simplesmente melhores que os outros, e reconhecer a importância de um investimento em ciência que compreenda diferentes aspectos da investigação, e que contemple a necessidade de trabalho colaborativo e recursos diversos para a realização de descobertas.

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